9 de abr. de 2011

Mesmo com um caso registrado, cura da Aids ainda está longe

Em dezembro de 2010, o norte-americano Timothy Ray Brown entrou para a história como o primeiro homem a ser curado de Aids no mundo, graças a um arriscado e complicado tratamento conduzido pelo médico alemão Gero Huetter. Mas mesmo após 30 anos da primeira detecção da doença – completos na última quinta-feira – a realidade para quem tem o vírus HIV continua passando longe da cura.





(O médico alemão Gero Huetter foi responsável pelo tratamento que curou o americano Timothy Ray Brown da Aids)
Segundo especialistas, não se deve criar expectativas para a população que vive com a doença.
“A gente tem muito medo de falar de cura, mas até o momento, o que se sabe desse paciente é que ele continua com todos os marcadores de doença mostrando que ele aparentemente estaria livre do HIV. Mas essa é uma situação muito especifica, porque ele teve uma leucemia e fez um transplante de medula. Para o transplante, foi selecionado um doador que tinha uma condição específica, uma mutação genética que acontece especialmente em europeus, que dificulta a infecção pelo HIV. Então na realidade não é uma situação que possa ser massificada”, diz a infectologista e diretora da “Casa da AIDS”, o Serviço de Extensão ao Atendimento de Pacientes HIV/AIDS do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, Eliana Battaggia Gutierrez.
Mesmo assim, a médica explica que além do benefício individual do paciente, casos como esse podem levar os pesquisadores a pensar em mecanismos alternativos de cura. “Eles tem o grande mérito de levantar hipóteses de trabalho para os cientistas, para eles poderem pensar em novas estratégias”, explica Gutierrez.
“Todo o conhecimento que o HIV traz é muito impressionante, seja na área de imunologia ou da virologia, tanto dos mecanismos de defesa dos seres humanos em relação ao vírus quanto em relação aos mecanismos que permitem que o HIV se torne patogênico, então temos várias linhas de investigação. Mas podemos dizer no momento que nenhuma delas terá um resultado imediato. Muita pesquisa será necessária”, continua.
Cura x Prevenção
Paralelamente à busca da cura dos pacientes infectados, cientistas têm tentado nos último 30 anos uma vacina preventiva, que mais tarde se estendeu também a buscas por uma vacina terapêutica. “Atualmente, podemos dizer que os resultados foram mais concretos na área de tratamento que de prevenção. Não por falta de competência dos pesquisadores, mas por características peculiares do vírus, como a grande capacidade de mutação, que dificulta muito a definição de um alvo específico para a vacina, além do fato muito importante de que o vírus ataca e debilita o sistema imunológico do indivíduo, que é exatamente o que seria necessário para combater a infecção”, diz Virgínia Minghelli Schmitt, Coordenadora do Laboratório de Pesquisa em Imunodiagnóstico da Faculdade de Farmácia da PUCRS.

O desenvolvimento de medicamentos antiretrovirais potentes representou uma grande conquista em relação à expectativa de vida dos indivíduos infectados. A realidade, porém, é que eles não representam uma cura, mas sim uma sobrevida na presença do vírus, com a necessidade de terapia ininterrupta e substituição frequente da medicação como consequência do desenvolvimento de cepas do vírus resistentes à droga administrada, resultantes das mutações que ocorrem no processo de multiplicação do HIV.
“Existe a necessidade premente de desenvolvimento de uma vacina, o que esbarra novamente na alta capacidade de mutação do vírus”, explica Schmitt.
Diversas estratégias foram propostas ao longo do tempo, sendo inicialmente o vírus o alvo preferencial. Atualmente, as questões mais importantes têm girado em torno da importância da imunidade da mucosa, que é a porta de entrada do vírus no organismo, além da utilização de moléculas que possam interagir com regiões mais conservadas das proteínas virais, como a região que se liga ao receptor celular, permitindo a entrada do vírus no organismo.
Avanços
Alguns estudos foram interrompidos já na fase clínica por não apresentarem os mesmos resultados promissores observados nos testes em animais de laboratório. Outros nem sequer chegaram a esta fase. Mas os avanços na pesquisa de uma vacina, terapêutica ou preventiva, continuam. Existem estudos promissores com um anticorpo monoclonal que reconhece e se liga à região da proteína do HIV responsável pela interação com a célula no início do processo de infecção.

“Não acontecem mutações neste local, pois isto dificultaria a interação do vírus com a célula, inviabilizando a infecção. Este, portanto, é um alvo adequado para uma vacina, pois escapa às frequentes mutações observadas no HIV”, diz a professora da PUCRS.
Ela explica que estas pesquisas ainda estão em fase inicial, sendo necessários vários anos para a confirmação dos resultados em laboratório, que seriam seguidos por testes pré-clínicos em animais, para então chegarem aos testes clínicos.
Inicialmente, esta seria uma vacina terapêutica testada em pacientes que já recebem o tratamento antiretroviral. Na opinião de Schmitt, o melhor resultado até o momento foi relatado em 2009, com um estudo realizado pelo exército americano em cooperação com o governo da Tailândia que apresentou uma redução de 31,2% no risco de contrair o virus HIV. Porém este número ainda é baixo, sendo necessários índices de sucesso em torno de 70-80% para a provação do uso de uma vacina.
Já para Eliana Gutierrez, o destaque na luta contra o vírus vai para a chamada “profilaxia pré-exposição”, em especial para o uso de um gel vaginal em pesquisas realizadas na África. O microbicida contém 1% de tenofovir, conhecido antirretroviral utilizado no combate ao HIV. Segundo os pesquisadores, a proteção cresce conforme a aplicação do gel aumenta.
Entre as mulheres que seguiram à risca o uso do medicamento, a redução observada na transmissão do vírus foi de 54%. “A profilaxia pré exposição é uma coisa muito diferente e nova. Não sei se ela terá uma grande aplicação em massa, mas eu considero uma perspectiva interessante”, falou a medica da Casa da AIDS/USP, que diz estar aguardando com ansiedade os dados do estudo nacional sobre a resistência primária do HIV, que deve ser liberado em breve.
O Brasil é reconhecido internacionalmente como exemplo no tratamento de pacientes com HIV, com o fornecimento de terapia antiretroviral por parte do governo. Apesar disso, ocasionalmente surgem problemas de fornecimento de medicamentos específicos, como acontece atualmente com o atazanavir.
As pesquisas no País também vão bem. Uma publicação recente mostrou o estudo coordenado pelo professor Edécio Cunha-Neto, realizado na Faculdade de Medicina da USP, em colaboração com o InCor, INCT e UNIFESP, que testou em camundongos uma vacina que “reabilita” o sistema imunológico do paciente, aumentando os níveis de linfócitos T CD4 e CD8 e permitindo uma diminuição da carga viral, além de desenvolver uma memória imunológica importante para a proteção do indivíduo contra novas infecções. “Mas, no momento, nós não temos uma perspectiva de cura. Temos uma perspectiva de controle, o que é diferente”, diz Gutierrez.
Caso Brown
Timothy Ray Brown, que teve cura declarada para a Aids, passou por um tratamento com células-tronco da medula. O processo foi longo e doloroso para o paciente. Ele enfrentou um tratamento severo contra leucemia, o que fez com que enfrentasse problemas neurológicos. Os médicos fizeram um transplante de medula para que ele continuasse vivo e usaram células-tronco de um doador incapaz de produzir a proteína CCR5, que é fundamental para que o vírus HIV penetre nas células imunológicas.

Como resultado, veio a surpresa. Ao fim do tratamento de três anos, os testes de HIV de Brown deram todos negativos.
Fonte: Portal do Biomédico

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